Como perdi minha amiga para o Bolsonaro

Todos os dias a gente conversava pelo WhatsApp; a primeira coisa pela manhã era receber uma oração enviada por ela. Esta oração começou a ser enviada quando fiquei doente e ela foi, nesta ocasião, uma verdadeira amiga, mais que uma irmã. Me acompanhava em consultas, em exames em Pará de Minas, Belo Horizonte, podia sempre contar com ela. Largava o trabalho, a família e me acompanhava quando eu mais precisava.
Temos muitas coisas em comum, muitas ideias em comum. Só não compartilhávamos a defesa do então presidente Bolsonaro. Mas, na época que o Lula foi acusado de um milhão de falcatruas, a gente estava do mesmo lado. Nós duas não concordávamos com isto, de jeito nenhum. Depois veio a Dilma e tínhamos de novo a mesma opinião sobre a presidente, a queríamos fora do governo.
Em seguida veio o Bolsonaro. Eu não gostei dele logo que ele se referiu à Dilma e a tortura da ditadura homenageando o pior momento da história deste país. Eu não gostava da Dilma, mas o que ela e todos os outros torturados passaram era uma vergonha para nós, não um ato heróico como fez parecer o então deputado Bolsonaro.
E depois as coisas foram ficando piores. Ele se safou de debates, virou coitadinho, construiu uma fábrica de fake news e foi trazendo pessoas para o seu lado como soldados surdos e cegos a tudo mais que não fossem as suas postagens. O ódio começou a crescer neste país.
Mas, ainda assim, eu e minha amiga, agora de lados contrários, nos respeitávamos e continuávamos amigas. Bolsonaro venceu, minha raiva dele foi piorando porque eu não suportava sua ironia, seu cinismo ao tratar das dificuldades que o país atravessava com a epidemia da Covid, do jeito como ele tratava a mulher como um ser inferior, os pobres, os nordestinos e aqueles que não nasceram para vestir rosa e azul. A ironia de uma família inteira que tratava o país como seu vassalo, me dava náuseas.
Mas a gente ainda se respeitava. Lula ainda preso, ainda condenado e as fakes do Bolsonaro sendo compartilhadas. Até pela minha amiga e eu pensava em como sendo tão inteligente e sabendo que se tratava de uma mentira, podia compartilhar aquilo? Nas vezes que chamei sua atenção para isto pareceu pouco se importar. Soltaram o Lula, tornaram ele elegível novamente e eu esperando um candidato a quem confiar meu voto.
E as coisas piorando no Brasil. Bolsonaro já tinha dado uma banana para o país, mas seu exército de eleitores cegos crescia.
Somente depois é que percebi que este exército sempre foi assim, sempre teve estas mesmas ideias. Bolsonaro só deu coragem a eles de se mostrarem.
Um terceiro candidato não se mostrou competente para derrotar Lula e Bolsonaro e Lula venceu as eleições e eu perdi minha amiga.
Nas poucas vezes que ainda mandei uma mensagem, ela estava sempre muito ocupada, as orações foram rareando e depois nunca mais vieram.

Zenaide Gomes

Zenaide Gomes

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